A gente vai te mandar lá para Afrânio que é o fim de Pernambuco! ouvi dizer que existe essa anedota, que se fala muito em Pernambuco “se você faz alguma merda, em termos de trabalho publico”.
A lua crescente tava começando e,eu, yann, Tikum, Kelly e Bianca, fomos em um Fiat Toro branco, láá pra Caboclo, no fim de Pernambuco, fincar estacas de imburanas. Saímos de Recife no domingo, 08 de setembro, às 11horas da mannha, e viajamos de noite e dia para cumprir o programa pré-definido de Ações de Plantar. Com a participação de variados grupos de crianças e adolescentes. Gentis surpresas foram preparadas pelas equipe de museus que hospedam agora, permanentemente, as estacas da cercaviva. Buíque, Santa Maria da Boa Vista, Petrolina, Caboclo, Exu, Serra Talhada. Museu Kapinawá, Museu Coripós, Museu do Sertão, Museu do Pai Chico, Museu Gonzagão, Museu do Cangaço.
Eram muitos jovens cis-gêneros, vindos de escolas publicas e particulares das cidades. As meninas meio afastadas, não ajudaram cavar a terra, nem tapar a cova, não perguntaram. ficavam por trás dos rapazes, às vezes, curiosas com a imburana perguntando umas para as outras, como bem percebeu Bianca.
No museu Coripós, a beira do Rio São Francisco, fomos surpreendidos por uma serenata, a presença de artistas-artesões locais e da secretária de cultura. Um gostoso lanche nos foi servido para encerrar o nosso encontro.
Em Caboclo fomos presenteados com doce de leite branco e petas típicas do lugar.
Em Exu fomos novamente surpreendido pelo coral de crianças, dentre elas um cadeirante, cantando “Asa Branca” em volta da estaca plantada. “Quantas vozes contando e plantando a vida”, reagiu do Rio de Janeiro,Tato Teixeira no Instagram. “ ❤️ é muito emocionante,o coração vibra de emoção”, reagiu também no Instagram, mariaizabelcavalcantiramos a plantAção no Museu Pai Chico,
Na Aldeia Malhador Kapinawá o encontro com parentes ancestrais. Foi de Buique,o lugar de onde veio Inácio Bezerra de Oliveira, meu penta-avô, para se instalar na Penha, onde se uniu com Clara Nunes e produziram descendência significativa do povo da Aldeia Logrador, registrada no livro “Logrador: um povo, uma família” de autoria de Beto Bezerra, historiador e chefe da Aldeia Logrador, em Carnaubeira da Penha.
Na casa de Memória Diniz Alexandre, o parente Ronaldo Kapinawá sugeriu que o local da cova fosse definido conjuntamente e na hora de plantar, tivemos a surpresa do osso enterrado por Tikum no vaso da estaca cultivada em nosso criadouro situado no Recife. Desde essa primeira Ação, a definição do local de plantAção envolvia uma prévia negociação, in loco, com as administrações dos museus.
Na praça de Serra Talhada, em frente a Catedral, um passado de minha infância me veio, e eu vi la no alto dos degraus da igreja, Diana cantando de branco “ eu sou Diana não tenho partido, o meu partido são os dois cordões”, entre dois grupos do pastoril, vestidos um de azul e outro de vermelho. lembrei dos vermelhos , azuis e amarelos brilhantes dos papéis celofanes que envolviam balaios cheios de coisas, em toda barraca tinha um balaio, que seria, creio, sorteados durante a festa de setembro. Eu devia ter 3-4 anos. Um arrepio me veio com a nostalgia.
O museu do Sertão estava fechado temporariamente para reforma e vimos pela grade a imburana e o ótimo estado em que se encontra esperando a reabertura do museu.
Foram 1962,30km rodados pelo sertão afora em 31 horas de direção. Um percurso de 6 dias. Na ida para Afrânio pela BR-232, passamos por Buique e Santa Maria e Petrolina. Voltamos de Afrânio para Recife pela PE-635, em seguida, tomamos a BR-122 para Exu, e depois, a BR-232 para Serra Talhada. “2mil km percorridos, entre serras, brejos, vales, rodovias, cidades, vilarejos, povoados e paisagens que encheram os nossos olhos e corpos.” Escreveu Kelly Saura em: https://www.instagram.com/p/C_5Y2jzuOVs/?utm_source=ig_web_copy_link&igsh=MzRlODBiNWFlZA== , eu acrescentaria as situações de pausas no percurso, em diferentes pousadas e hotéis e restaurantes, que nos recebiam com Tikum. Em Serra, um desvio no percurso, retornando em direção ao Cartório Único de Mirandiba, para o demorado registro da declaração de compra e venda do terreno ampliado do Projeto Imburana.
E a pergunta rodava: “quem plantou algo neste ano?”
Pouquíssimas crianças de menos de 5 anos responderam que plantaram na escola.
Hoje, estamos plantando aqui, ontem plantamos no museu Kapinawá, amanhã vamos fincar uma outra estaca em Museu Pai Chico em Afrânio, depois ainda vamos fincar imburanas no Museu de Gonzagão em Exu e no Museu do Cangaço em Serra Talhada. Imagine que a sequencia de estacas plantadas faz viver uma cerca em sua mente e acrescente a essa cerca mais estacas plantadas no Recife,em 3 museus: da Abolição, Murilo La Greca e Oficina Brennand... e a cercaviva aumenta também na imaginação. Conversamos sobre a o que eu estava fazendo ali, sobre a performance enquanto categoria artística que deriva da arte conceitual e que extrai sua potência no corpo do artista ou de outrem, inclusive do publico e dispensa aprendizado técnico manual, que democratiza a arte e permite a qualquer um fazê-la. As ações humanas estão ligadas ao aquecimento global (antropoceno/capitaloceno), a Ação de Plantar é uma performance que se inscreve na Arte Ambiental e pode ser entendida como uma instrução que qualquer pessoa pode executar “esse” gesto mínimo e urgente contra o desmatamento global.
Direcionado ao museu - que esta cheio de imburana morta, na forma de santos, carrancas, ex-votos, camas e portas - este gesto opera como sugestão ao museu-espaço-legitimador de visibilidades, o efetivo engajamento em dar a ver a beleza e problemática de manutenção da imburana de cambão em pé. Cabe a mim, tentar essa e outras estratégias para produzir sua auto-sustentabilidade.
São espécies diferentes! Enfatizamos as características da imburana de cambão diferenciando-a da imburana de cheiro. Uma é leguminosa e a outra é resinosa. Uma é madeira de lei e a outra é pau oco, uma é pesada e a outra é leve e muito boa de corte, sendo uma ótima matéria prima para fazer esculturas. Sempre surgia a necessidade de diferença-las enquanto espécies,também remarcávamos a literatura escassa sobre o tema, e que, mesmo em trabalhos técnicos acadêmicos, confundem as informações, inclusive as medicinais, entre as 2 espécies.
Também enfatizávamos a importância da imburana como planta guarda-chuva, pois dela depende outras espécies como jandais e abelhas nativas, que a elegeram como a preferida para fazer seus ninhos. Que ao derrubarmos uma imburana se derruba um bioma. Alguns professores pesquisaram com os alunos antecipadamente sobre a imburana, e outros buscaram referencias para pesquisas posteriores.
Falamos sobre a participação dos artistas no processo do desmatamento e a consequentemente contribuição no aquecimento global. Artistas conversaram que ser artista em uma cidade do interior é assumir varias atividades, de marceneiro, decorador,restaurador de fachadas... do desejo de viver da criação artística e a dificuldade de escoamento da produção. Teve gente que até deixou a arte como hobby para trabalhar de motorista na prefeitura. A maioria, trabalhava com a madeira imburana e com reciclagem. Eu pedia e eles me mostravam nos celulares as fotos dos trabalhos e eu dava petelecos. arTTrainne! Conversamos também sobre a des(construção) de pré-conceitos, quando surgiu uma piada na roda de meninos.
O QRcode indicado na placa hospedando linktree contendo informações sobre o projeto imburana e a cercaviva, é fundamental para a acessibilidade em momento posterior e para acessibilidade de pessoas com deficiência visual e auditiva. a descoberta do QRcode na placa de identificação da plantAção,era um momento à parte nos grupos de jovens,com os celulares à mão, fotografando e discutindo entre eles.
É massa contemplar, achar bonita, admirar a beleza da imburana.Saber sobre ela e respeita-la em pé. É massa plantar também. Muitas árvores são diariamente derrubadas pelos mais variados motivos. Parques eólicos e solares, projetos agrícolas,extração de madeira,transformação da caatinga em pastagens, produção de carvão, queimadas. A imburana é planta resistente e ecologicamente viável,podendo representar papel importante no enfrentamento às urgências climáticas. Gesto menor, a Ação de Plantar é o gesto invertido do desmatamento.
O Museu do Gonzagão assim nos retornou: Muito obrigado por escolher o Parque Aza Branca em ter um privilégio d receber esse projeto e essa iniciativa tão linda. Vamos cuidar dela direitinho e será mais um atrativo para os visitantes.
Voltamos ao recife, na 6a-feira 13, meia noite, com a lua já quase redonda.
edson atikum